Nos momentos de silêncio das nossas vidas cada vez mais digitalizadas – entre sons, notificações push e feeds selecionados por algoritmos -, existe um desejo por calor humano, compreensão e presença. A tecnologia conectou-nos de maneiras extraordinárias, mas muitas vezes sentimo-nos mais fragmentados, isolados e despersonalizados do que nunca.
Humanizar o digital não é simplesmente uma ambição poética – é um reequilíbrio necessário da nossa relação com as ferramentas que criámos, e que nos foram impostas. Vivemos numa era em que podemos ver o rosto de um ente querido do outro lado do mundo em tempo real, em que as vozes podem viajar instantaneamente por vastas distâncias e em que palavras e ideias podem encontrar comunidades de ressonância em segundos. No entanto, por trás dos ecrãs, muitos de nós sentimo-nos invisíveis. Outros, imortais. Alguns, ainda que saibam o que fazem, “justiceiros do mal”.
As interações digitais, embora abundantes, muitas vezes carecem da nuance do contacto visual, do calor subtil de um silêncio partilhado ou da profundidade da empatia encontrada num toque prolongado ou num entendimento tácito. Este paradoxo – de estar constantemente conectado e, ainda assim, emocionalmente distante – está no cerne da crise. Não é que a tecnologia seja inerentemente desumana, mas que falhamos em incorporar toda a nossa humanidade nas formas como a usamos. Na busca pela eficiência, às vezes sacrificamos a empatia. Ao automatizar respostas, diluímos a autenticidade. E, ao projetar em escala, muitas vezes negligenciamos a alma.
Humanizar o digital começa com uma mudança no design – da funcionalidade para a empatia. A tecnologia não deve apenas funcionar bem; deve fazer-nos sentir bem. Precisamos de ambientes digitais que convidem ao diálogo, não apenas a comentários. Em que as opiniões não constituam ameaças, e se perceba que o diálogo é a base da inteligência. Plataformas que promovam uma comunidade genuína, não apenas visibilidade. Ferramentas que apoiem a expressão emocional tão ricamente quanto transmitem dados. Não podemos esquecer que, do outro lado de cada mensagem, cada nome de utilizador ou cada avatar, há um ser humano vivo, que respira – imperfeito, cheio de nuances e digno de bondade. A tecnologia reflete quem somos. Ela reflete os nossos valores, os nossos medos e os nossos sonhos. Se queremos humanizar o digital, precisamos primeiro humanizar a nós mesmos. Isso significa abraçar a vulnerabilidade na nossa comunicação, praticar a compaixão digital e escolher a presença em vez do desempenho. Significa resistir à tentação de nos reduzirmos a métricas – likes, partilhas, número de seguidores – e, em vez disso, investir em ligações mais profundas.
Temos também de lidar com a ética do nosso mundo digital. Quais vozes são amplificadas e quais são silenciadas? Quem beneficia da conveniência e quem suporta os seus custos? Um futuro digital verdadeiramente humanizado é aquele em que a equidade, a dignidade e o acesso não são considerações secundárias, mas princípios orientadores. Num mundo digital em que a anonimização que protege a nossa comunicação, verbal ou escrita, seja por algoritmos ou criptografias normais ou já quânticas, não permita que o utilizador vire criminoso e seja protegido por isso. E que um outro utilizador vire vítima e não haja mecanismos legais, policiais, humanizados, para o proteger.
Humanizar o digital é pensar começar de novo, com carinho. É construir sistemas que escutam. É projetar algoritmos que elevam em vez de manipular. É usar a inteligência artificial não como um substituto da inteligência humana, mas como uma companheira – aumentando a criatividade, apoiando o bem- estar emocional e aprofundando a compreensão. Este futuro não é uma utopia distante. Começa em pequenas escolhas do dia a dia: escrever uma mensagem atenciosa em vez de uma resposta rápida; desligar as notificações para dar toda a atenção a alguém; conceber um produto com as vozes marginalizadas no centro; ou simplesmente lembrar que o silêncio num espaço digital também pode dizer muito. É pousar o telefone num longo momento a dois, ou quando a família se senta à mesa. O mundo digital não é separado do mundo humano. Ele é o mundo humano – codificado, pixelizado e renderizado em luz. Vamos honrá-lo com o cuidado que ele merece. Vamos ser determinados não apenas no que construímos, mas em quem nos tornamos através disso. Quando a nossa luz deixar de brilhar, serão sorrisos, abraços, momentos e gargalhadas que levaremos connosco, embrulhadas entre a mente e a alma. O telefone desligar-se-á, até ao próximo reset, e conectar-se-á a outra vida. Sem passado.
Hugo Costeira